quarta-feira, 7 de março de 2012

Meu Anjo


            Estava ele deitado em sua cama no vazio escuro de seu quarto às nove horas da manhã, janelas fechadas, acordado, mas ainda se recuperando da ressaca da noite passada, um horrendo porre de vodka com rum.  Não havia nem tirado as calças, capotou na cama sem camisa apenas, os coturnos estavam nos pés, mas desamarrados, o quarto cheirava ao cigarro que queimara a noite toda no cinzeiro.
            A luz do dia invadia discretamente o quarto pelas fendas da janela, o caos em sua cabeça impedia-o de levantar, o teto girava e ele voltou a sonhar, de olhos abertos, as sombras na estante dançavam conforme os raios de sol saltavam pela janela. Não demorou a vê-la, ali parada em pé, vestia um manto preto apenas, as asas estavam encolhidas, cinzentas com penas falhas, do capuz caiam os cabelos vermelhos como fogo, uma chama fraca quase apagada discreta de inicio, os olhos verdes eram esmeraldas derretidas cintilando dentro do capuz e tinha o sorriso mais belo que qualquer deusa jamais sonhara ter.
            Os raios de luz cessaram, as asas se dissiparam e o manto virou cinzas ao caírem no chão, estava nua, de pele branca e sem vida, os seios firmes e macios meio cobertos pelas labaredas dos cabelos, descalça de pés pequenos e delicados, com dedos pequenos, roliços e apertados, de calcanhares lisos e tornozelos frágeis, as pernas esculpidas em mármore branco, de quadril não muito largo, com não mais que alguns poucos fios na virilha coberta pelas sombras. Sorriu para ele, um sorriso cheio de alegria e malicia, tentou se mexer, mas o álcool fazia seu papel de vilão. Em passos silenciosos ela chegou até a cama, colocou a mão em seu peito e sussurrou em seu ouvido, os dedos deslizaram para a fivela do cinto que depois de retirado veio ao chão, rápida e ágil ela montou-o e beijou sua boca, nesse momento seu membro sentiu vida e o álcool em sua mente passou a ser uma leve melodia.

            Abraçou-a com as mãos tremulas e a beijou uma vez mais, a língua estava confusa com aquele êxtase, ela dançava sobre seu corpo e levava as mãos dele aos seios, não havia gemidos, apenas a respiração ofegante e o calor dos cabelos em chamas que lambiam ambas as faces, por alguns segundos se esqueceu de tirar as calças, então o fez desajeitadamente. Ao entrar nela as chamas dos cabelos brilharam como o próprio sol, a dança ganhou mais movimentação quando um toque agudo seguido de uma pausa e novamente o toque. Os olhos se abriram novamente, sonho, fora só um sonho, o celular despertara, olhou ao redor do quarto e não viu rastros dela, foi tudo apenas um maldito pesadelo.
            A ressaca ainda o atormentava, mas o verdadeiro sofrimento era saber que foi tudo uma emocionante e maravilhosa mentira, uma falsa promessa, sentou-se na cama e desligou o alarme. A cabeça latejava, pegou o colar de prata que sempre carregava consigo, abriu o pingente para vislumbrar a foto dela mais uma vez. O sangue fervera de imediato, não conseguiu conter as lagrimas, a raiva envenenava seu coração, apertou o colar com a mão e pendurou-o no pescoço, abriu a gaveta do criado mudo e ali estava, tocou a coronha de couro frio com as mãos tremulas, puxou da gaveta, cerca de um quilo e meio, cano longo e tambor com seis disparos. Passou a mão na arma calmamente para sentir o metal gelado em suas mãos, pensou em várias maneiras enquanto as mãos tremiam e o álcool martelava sua cabeça, cada escolha, cada possibilidade, tudo o que podia e o que fez, mas no fim todos os pensamentos terminavam nos olhos verdes daquele rosto de nariz arredondado com algumas sardas e cabelos ruivos.
            O indicador fixou-se no gatilho, o cano encontrou seu queixo, a voz quase não saiu quando murmurou para si mesmo em meio as lagrimas que desciam dos olhos.
            - Estou a sua espera meu anjo. –

            ( Allarious )

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